No Antigo Egipto, desde cedo que as escolas eram controladas por sacerdotes com o propósito de guardarem ciosamente as “palavras divinas”, ainda que o escriba pudesse aprender a arte da escrita com o seu pai. Envergando o saiote branco (visível, por exemplo, na famosa estatueta egípcia), o escriba guardava os manuscritos numa espécie de scriptorium, um espaço reservado e designado Casa da Vida. Ou seja, para os Egípcios, a casa da vida guardava textos, literatura.
Já no período sumério, os jovens frequentavam a edubba ou “casa das tabuinhas”, aludindo ao suporte então usado para a escrita, as tabuinhas de argila. Após a iniciação nos signos cuneiformes, o curriculum incluia a cópia de listas de palavras e a escrita de memória, fazendo que um aluno fosse qualificado de especialista após ter copiado, regra geral, mais de 30.000 linhas de texto, permitindo-lhe percorrer boa parte da literatura de então.
Essa experiência de aprendizagem podia facilitar o escriba a ser poeta e a conseguir uma distinta profissão na administração do reino; por exemplo, o escriba babilónico Ezra foi o responsável no reino pelos assuntos judaicos. E no entanto a arte de ser escriba e o consequente acesso aos altos cargos da administração do país podiam ser perpetuados dentro de uma mesma família. É conhecido um caso assírio em que o mais alto cargo da Chancelaria Real foi mantido por cinco gerações numa mesma família de sábios. Sabiam muito, está bom de ver.
O facto é que, em geral, havia baixos níveis de literacia no Oriente Antigo, não sendo o Egipto caso diferente. Para ter uma percepção deste fenómeno social, pode olhar-se para Alalakh, na Síria, por volta de 1700 a.C.: numa cidade de cerca de 7.000 habitantes havia sete escribas, ou seja, um por mil. E no entanto, no tempo de Moisés, eram usadas oito línguas diferentes e cinco sistemas de escrita distintos, o que pode parecer um paradoxo.
Esta iliteracia geral trouxe a concentração do poder na classe letrada. O caso de Moisés é paradigmático. Foi ensinado na corte egípcia e considerado “poderoso em palavras e em obras”, como conta a Bíblia: “Moisés foi iniciado em toda a ciência dos Egípcios, e era poderoso em palavras e em obras.” (Actos 7:22). Essas aptidões permitiram-lhe registar os mandamentos divinos e as decisões legais (e também um canto), tendo ainda designado escribas oficiais entre o seu povo com o propósito de assentarem decisões e ordens. “Escolhi, pois, os principais das vossas tribos, homens sábios e experimentados, e nomeei-os vossos chefes, quer como comandantes de milhares, de centenas, de cinquentenas e de dezenas, quer como escribas das vossas tribos” (Deut. 1:15).
Entre Moisés – pintado na figura por João Zeferino da Costa em 1868 a receber as Tábuas da Lei – e David, não se sabe quem guardou os mandamentos divinos registados pelo primeiro, mas, do reinado de David até Josias (sécs. X-VII a.C), a Arca que continha a lei suprema para os Hebreus (a Torah) foi precisamente confiada, entre outros, a escribas do reino.
Cf. ACKROYD, P. R., EVANS, C. F., Cambridge History of the Bible, From the Beginnings to Jerome, Cambridge: Cambridge University Press, 1993.
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Obrigada JPGALHANO, é sempre oportuna a leitura de textos tão ricos.
ResponderEliminarLi,poucos artigos,resenhas sobre o título do seu blog. Gostaria de ler o "Z da Metafísica",em português. Há uma tradução?
Olá Sueli,
ResponderEliminarsobre as traduções da Metafísica em português, há os dois primeiros livros traduzidos por V. Cocco em 1951 (ed. Atlântida, Coimbra) (e portanto não têm o livro Z) e encontrei esta na net: http://www.livrariadafisica.com.br/detalhe_produto.aspx?id=39603
mas não sei se é traduzido do grego ou não.
Mas se quiseres explorar o conceito aristotélico que dá título ao blog, podes sempre ver a obra
Aristóteles, Obras Completas - Introdução Geral, Lisboa: INCM, 2005, que tem capítulo dedicado aos conceitos do Estagirita que são mais difíceis de traduzir.
Abraço.
Obrigada, anotado.
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