Os filósofos e os historiadores da Antiguidade Grega pouca nota deram de artes como a escultura ou a pintura. O facto é que estas duas artes não estavam atribuídas a nenhuma Musa porque o ofício de artista era pouco apreciado, sendo por isso colocado num patamar social hierarquicamente inferior. Porém, um estudo dos estereótipos sobre os agentes das Belas-Artes permite perceber as modalidades históricas dessa área de significação.
Por exemplo, a ideia de que o pintor ou o escultor é um ser inspirado, como se de um pequeno deus se tratasse, não tinha lugar no antigo conceito de artista: esse estatuto estava reservado apenas aos escritores. Só com o advento do movimento humanista se fez essa associação. Seria Marsílio Ficino a ligar a ideia platónica de enthousiasmos, de loucura de inspiração divina, ao campo das Belas-Artes e que, de resto, iria mais tarde dar lugar ao conceito contemporâneo de génio que trabalha para um reconhecimento post mortem.
Mas já na Antiguidade Grega um artista inteligente tentaria provar que as suas capacidades eram mais que mera competência técnica. O exercitador de Belas-Artes como a escultura ou a pintura esforçava-se por se distinguir do mero artesão, queria já separar a arte do artesanato. Para tal, os artistas permitiam-se até não receber dinheiro pelas suas obras de arte, de forma a vincarem a sua distinção em relação aos bánausoi, os que faziam da reprodução artística uma actividade puramente mecânica.
Zeuxis, um pintor grego do séc. V a.C. do qual não possuímos hoje nenhuma obra (o que em si já é significativo), considerava-se com frequência injustiçado pelos seus concidadãos, já que eles não apreciavam devidamente as suas obras de arte. Por essa razão decidiu distribuir as suas pinturas gratuitamente, com a justificação de que eram impagáveis! Na verdade, pretendia demarcar-se dos tais bánausoi.
Por outro lado, o reconhecimento artístico era buscado pela via da disputa retórica com colegas de profissão ou perante o público.Um famoso concurso ocorreu entre Zeuxis e Parrássio, segundo conta Plínio na sua Naturalis Historia: Zeuxis decidiu apresentar a Parrássio uma pintura em que estavam representadas uvas, mas uvas de tal modo realistas que os pássaros se dirigiram a elas para as debicarem. Imagina-se o espanto de Parrássio, mas este não se ficou: quando Zeuxis pediu que o seu rival afastasse a cortina da tela para que ele pudesse ver a sua pintura, Parrássio esclareceu que a cortina era a própria pintura. Se Zeuxis enganara os pássaros, Parrásio iludira um homem: o próprio Zeuxis!
Cf. Wyss, Beat, "Artists, Legends Concerning", Brill's New Pauly, vol. I, Leiden-Boston: Brill, 2006.
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Para ver uma versão contemporânea da cortina de Parrássio, recriada pelo artista plástico João Nora: http://joaonorainamannerofspeaking.blogspot.com/
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